A crise que estamos a viver - e que se vai agravar ainda -, não surgiu de geração espontânea. Tem causas e responsáveis.
Nos últimos anos os poderes políticos democráticos têm vindo a ser dominados por poderes difusos sem representação nem legitimação democráticas. Em consequência disso, a democracia representativa tem vindo a degradar-se, perdendo valor para cada vez mais pessoas, o que é demonstrado pelos crescentes níveis de abstenção. Votar para quê se depois de eleitos fazem o que querem - muitas vezes, exactamente o contrário do que prometeram -, é a questão que cada vez mais pessoas colocam.
Desta forma – com a subordinação dos poderes políticos a outros poderes, mais ou menos, difusos e o desinteresse pela política e a progressiva abstenção eleitoral das pessoas -, não é de estranhar a crescente descredibilização que atingem os políticos, que, muitos deles, não fazem muito para contrariar. Basta lembrar as inúmeras promessas de crescimento económico e desenvolvimento feitas e os anúncios do fim ou do princípio do fim da crise, quando tudo aponta para o seu agravamento.
É neste quadro que ouvimos repetirem que vivemos acima do que podemos e que, por isso, são necessárias medidas de austeridade e que os sacrifícios têm de ser feitos por todos. Alguns, cuja consciência social lhes pesa mais, ainda avançam que os sacrifícios devem ser pedidos com equidade... Parece, ao ouvi-los, que vivemos em autogestão, sem governos e sem políticas, como se estes e estas não tivessem quaisquer responsabilidades na situação que estamos a viver nem nas suas causas.
Se vivemos acima das nossas possibilidades é porque permitiram que assim acontecesse, ou melhor, é porque nos desafiaram a fazê-lo. Mas se vivemos acima das nossas possibilidades existem muitos que vivem abaixo das suas necessidades, mesmo das mais básicas, e das razões porque tal acontece fogem como o diabo da cruz os principais responsáveis.
O problema não se resolve apenas com mais equidade na distribuição dos sacrifícios – porque há muita gente que já os faz no limite (ou mesmo ultrapassando-os) da dignidade do ser humano -, mas sim com uma maior equidade na repartição da riqueza. Se em vez da maior parte da riqueza produzida ficar para uns poucos, passar a ser melhor repartida, ficando a maior parte para quem a produz, a produção nacional crescerá mais e mais rapidamente, dinamizando a economia nacional, porque aquela maior parte da riqueza produzida servirá para satisfazer necessidades mais básicas, não sendo aplicada, como está a ser em “off shores” e na economia virtual ou de casino. E, desta forma, serão mais eficazmente combatidos o défice e, mais importante, a dívida externa.
Mas mesmo que, para além dessa mudança radical, só queiram usar paliativos para enfrentar a crise – tentando controlar o défice através da austeridade sem promoção do crescimento económico -, os políticos terão de agir mais e prometer e anunciar menos medidas, o que não tem acontecido até aqui.
Mesmo a nível local, apesar dos significativos cortes aplicados às finanças locais, pelo menos, nos últimos três orçamentos de Estado, parece que a generalidade dos autarcas não quiseram enfrentar a situação e continuaram a agir como se tudo continuasse como dantes. Raros foram os que, para enfrentar a nova realidade, fizeram novas opções estratégicas e reorientaram as políticas e as práticas das suas autarquias. A maioria optou por se queixar das novas restrições orçamentais, embora mantendo as mesmas orientações e práticas, como se não lhes competisse introduzir mudanças na estratégia, nos projectos e no modelo gestionário, envolvendo nisso os trabalhadores e as populações.
Penedo Gordo, 02.12.2011
Publicado na revista Mais Alentejo, nº 108.