Segurança não se alcança apenas com repressão
“A segurança interna consiste na atividade do Estado destinada a assegurar a ordem e a segurança públicas, a prevenção e repressão da criminalidade, respeito pela institucionalidade e legalidade democráticas, a proteção de pessoas, dos seus bens e dos seus direitos, liberdades e garantias.”, sendo “O Governo ... o órgão responsável pela condução da política de segurança interna.”
Lendo estes conceitos legais, pode-se concluir que o governo não cumpriu a sua responsabilidade, ao não assegurar a segurança pública na Área Metropolitana de Lisboa, na semana passada, onde se registaram crimes contra pessoas e bens públicos e privados, na sequência da morte de um cidadão por um agente da PSP.
O governo não só não cumpriu a lei como praticamente não deu qualquer explicação ou informação sobre tão graves acontecimentos, tendo deixado a PSP entregue a si própria. Só depois da situação ter acalmado é que a ministra da Administração Interna, a responsável no governo pela segurança interna, se deslocou ao Comando da PSP para lhe transmitir a sua confiança e o seu agradecimento. O primeiro-ministro não disse nada, ou, se disse, foi tão irrelevante que não dei por isso.
Perante o silêncio do governo, o Diretor Nacional da PSP sentiu-se obrigado a prestar declarações à RTP, garantindo que num Estado de Direito ninguém está acima da lei, que todos, incluindo as forças de segurança, são obrigados a respeitar e cumprir a lei, tendo de responder por eventuais abusos, apurados através dos procedimentos legais, e que era isso que estava a ser feito.
O governo, através do silêncio do primeiro-ministro e da ministra responsável pela pasta da Segurança Interna, perante um dos períodos mais críticos e violentos registados no nosso País, mostrou não estar à altura das suas responsabilidades e da necessidade de transmitir tranquilidade às populações. Permitiu que se instalassem dúvidas, não prestando, em tempo oportuno, as informações e os esclarecimentos que as pudessem dissipar logo à nascença. Logo a seguir à morte do cidadão por um seu agente, a PSP divulgou um comunicado com a sua versão dos acontecimentos, que, pouco tempo depois, veio a gerar uma forte polémica por terem surgido versões contraditórias do que se terá passado, o que terá contribuído para as cenas de violência que se registaram a seguir.
Perante a gravidade dos acontecimentos, é de registar a posição das forças políticas, de contenção e aguardar pelas conclusões dos processos judiciais, entretanto abertos, embora exigindo o apuramento da verdade e de eventuais responsabilidades.
Apenas o Chega, na linha do que tem sido a sua prática, entendeu fazer de imediato o seu julgamento na praça pública, responsabilizando o cidadão assassinado e apoiando o agente da PSP responsável pela sua morte. Responsáveis do Chega fizeram declarações incendiárias como: “Devíamos agradecer a este polícia o trabalho que fez” e que devia ser “condecorado e não constituído arguido”; “Se calhar, se disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem.”; "Menos um criminoso... Menos um eleitor do Bloco", entre muitas outras...
Para além do mais, mostraram uma total falta de respeito pela memória de um cidadão assassinado e pela presunção da inocência, fazendo um julgamento na praça pública e antecipando, sem direito a contraditório, as conclusões dos processos em curso, tentando subverter os mais elementares princípios do Estado de Direito. Talvez por ter sido tão chocante e revoltante a sua posição, apenas alguns, poucos, dos seus militantes compareceram na manifestação convocada pelo Chega "em defesa da polícia"… A cena foi de tal ordem que nem com o “grande líder” de megafone em punho a lançar palavras-de ordem conseguiu conseguiu animar as hostes…
A segurança interna deve ser assegurada a montante da repressão da criminalidade, através de políticas públicas que combatam a exclusão social e todos os estigmas e discriminações, assegurando uma vida digna a todos, através da efectiva igualdade de oportunidades e da “proteção de pessoas, dos seus bens e dos seus direitos, liberdades e garantias”, que previnam a criminalidade. Sem prejuízo da necessidade de reprimir a criminalidade, é preciso ir mais além, investigando e combatendo as suas causas. É esse o principal desafio que os graves acontecimentos da semana passada lançaram aos responsáveis políticos, de que estes não se devem eximir.
Até para a semana!
LG 29/10/2024
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