Crise das instituições favorece o surgimento e crescimento de forças populistas
Assistimos a um progressivo agravamento da crise ou das dificuldades que atravessam as diversas instituições, a todos os níveis, começando pelos órgãos de soberania, passando pelas Forças Armadas e Igreja Católica.
A Presidência da República deixou de ser uma referência de alguma estabilidade, com Marcelo Rebelo de Sousa, cada vez mais, Comentador Mor da República, que, todos os dias e, nalguns várias vezes, tudo comenta, onde quer que se encontre, sejam questões do quotidiano ou da maior relevância. E, neste redemoinho de declarações, não raras vezes “mete a pata na poça”, desdobrando-se depois em explicações e até em pedidos de desculpas… Mais do que aproximar o Presidente da República dos portugueses, Marcelo Rebelo de Sousa tem vindo a banalizar a importância da Presidência da República.
A Assembleia da República, que deveria, através da legislação, impor o enquadramento político que o governo deve respeitar, transformou-se numa câmara de ressonância do governo, ao qual obedece, situação agora agravada com a maioria absoluta. Os deputados tornaram-se mal vistos, por diversas razões e os poucos que constituem excepção e que, por isso, são conhecidos e reconhecidos, não chegam para atenuar a má imagem deste órgão de soberania. Os debates, em vez de servirem para procurar as melhores soluções para o país, transformaram-se em confrontos verbais em altos berros que, mais do que debater e procurar convergências, parecem discussões clubísticas. Como é natural, são cada vez menos os que ainda têm paciência para os ouvir e de os levar a sério...
O Governo, que emana da Assembleia da República, trata esta como uma mera formalidade para fazer aprovar todas as políticas e legislação de que necessita, e faz, na prática, o que muito bem entende, contribuindo para a sua desvalorização. Com a crescente fulanização das eleições para a Assembleia da República, transformadas em eleições para primeiro-ministro, mais subalternizado ficou aquele órgão e menos poder têm os restantes membros do Governo, que voltaram a ser meros ajudantes do primeiro-ministros, como aconteceu nos governos de Cavaco Silva. A agravar tudo isto e a fazer com que os portugueses esperem cada vez menos do governo, aí estão os inúmeros casos e casinhos de incompatibilidades familiares, que mostra que a longevidade no poder e as maiorias absolutas não favorecem a Democracia. Mas, pior ainda, é o crescente desacreditar das pessoas no Governo como pessoa de bem, porque não cumpre muitas das promessas, designadamente as que poderiam contribuir para o investimento orientado para o aumento da produção nacional e a redução da nossa dependência externa, a redução das desigualdades e da pobreza, a valorização do trabalho com direitos e o respeito pelos reformados…
Passando a outros poderes, temos a Justiça que não a faz ou quando a faz é tarde e a más horas. Temos ainda as guerras e guerrinhas de poder, quer internas, quer com outros órgão de soberania; a separação de poderes a ser respeitada apenas quando dá jeito; ou ainda abusos de poder por parte de alguns dos seus signatários e de cobertura de criminosos, principalmente em casos de “colarinhos brancos”. Tudo isto tem contribuído para fazer com que os portugueses acreditem cada vez menos na Justiça. Para quê recorrer ou esperar pela Justiça, se ela só serve para defender os poderosos e, mesmo quando o litígio é entre iguais, ela só se faz no “dia de são nunca à tarde”, é o que grande parte dos portugueses hoje pensam dela...
As Forças Armadas não foram reorganizadas em função das novas missões e de um corpo de efectivos adaptado a elas, pelo que o elevado número de generais e outros oficiais de altas patentes, comparado com o número de praças e sargentos, apresenta uma pirâmide hierárquica algo disfuncional. Os sucessivos governos têm desvalorizado a sua importância, nem sempre conseguindo estabelecer com elas o melhor relacionamento e caindo, com frequência, na tentação de as instrumentalizar. Tudo isto tem contribuído para a ideia perigosa de que as Forças Armadas “só” servem para sustentar uma casta de oficiais de patentes superiores, tornando-se pouco atractivas à captação de jovens para os seus quadros, o que tem facilitado a infiltração de activistas de redes criminosas e de forças de extrema direita não só nas Forças Armadas mas também na GNR e na PSP… .
Finalmente e passando a outro poder, o da Igreja Católica, é pública a crise que está atravessando e que se traduz, no afastamento das pessoas dela. Referimos algumas das situações que para isso têm contribuído: (1) a luta entre progressistas, alinhados com as novas ideias do Papa Francisco e os conservadores, que a elas se opõem; (2) os obstáculos que estes têm colocado às reformas do Papa, designadamente na aceitação de situações mais de acordo com os tempos actuais e a natureza humana, como o (re)casamento, a homossexualidade, os padres casados; (3) e, a que mais tem abalado a estrutura eclesiástica, as denúncias de abusos sexuais, praticados por clérigos, com a agravante de nalguns casos terem contado com a cobertura ou inacção da hierarquia da Igreja.
É neste quadro, que as pessoas deixam de acreditar em instituições que consideravam como referências da sociedade e factores de estabilidade, sentindo-se um pouco perdidas e, por isso, mais facilmente atraídas por quem lhes promete acabar com “o caos” e resolver todos os seus problemas.
Fiquem bem e não se deixem levar pelo “canto das sereias”.
Até para a semana!
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