Estamos em plena época natalícia.
As ruas já estão iluminadas em muitas localidades, as lojas, principalmente nas grandes superfícies, estão cheias, a festa do consumo atinge o seu auge.
As casas também são decoradas à maneira. Umas com presépios, outras com pais Natal, outras com uns e com outros. As compras, principalmente as prendas, vão sendo preparadas e guardadas para a noite e o dia de Natal.
Os correios rebentam pelas costuras com tantos postais e os diversos meios de comunicação todos os anos batem recordes de utilização com mensagens alusivas às datas. Também aqui, a sinceridade das mensagens foi sendo substituída pelas que se repetem tal como foram recebidas.
O espírito “natalício” vai sendo agitado e fazendo esquecer, ou, pelo menos, pondo de lado preocupações que atingem a maioria dos portugueses.
O que é necessário é assinalar o Natal e a passagem de ano, gastando o que se tem e não tem, em decorações, prendas, vestuário e adornos diversos, comezainas, festas e tudo o mais que possa contribuir para a orgia consumista.
Todos estes preparativos são, em muitos casos, envoltos em profunda angústia, da falta de dinheiro, de tempo ou de ideias para assegurar tudo o que se imagina necessário para acontecimentos tão marcantes.
Nunca gostei desta época, nem do Natal nem da passagem do ano.
Em criança, ainda coloquei algumas vezes a bota na chaminé esperando que o Pai Natal nela colocasse alguma prenda mas não me lembro de alguma vez tal ter acontecido. Nessa altura também plantei algumas searinhas. A ceia e o almoço de Natal também eram melhorados, não faltando as filhós e os borrachos, que comia até fartar.
Ao longo da vida, esta época não me proporcionou vivências que me fizessem apreciá-la especialmente.
Em muitos anos, passei, quer o Natal quer a passagem de ano, sozinho ou com outros que, igualmente, não tinham muitas razões para comemorar. Até cheguei a trabalhar nesses dias e noites para ajudar a passar o tempo…
Não sou nem nunca fui crente, pelo que nunca senti o que o que julgo que os cristãos poderão sentir pelo Natal, embora me pareça que este é cada vez menos celebrado como é anunciado.
Também por isso associo as duas comemorações – o Natal e a passagem de ano – porque acabam por partilhar o mesmo espírito consumista.
Para além de episódios pessoais que não contribuem para que simpatize especialmente com esta época, sinto-me sempre compelido a reflectir mais intensamente na pobreza, nas injustiças e nas desigualdades sociais, nas guerras e outros flagelos que atingem a humanidade. Não apenas como problemas globais e, por isso, distantes, mas também em casos concretos, que conheço directamente.
O balanço prospectivo, mais ou menos profundo, que faço na passagem do ano não costuma ser muito positivo, se tivermos em linha de conta que, quase sempre, o próximo ano se perspectiva pior do que o que está a terminar. È isso, certamente, o que, mais uma vez, vai acontecer.
Naturalmente que nem em todos os anos esta quadra festiva foi assim tão desagradável. Existiram anos em que as coisas se passaram de forma bem agradável, na companhia de familiares e/ou amigos, em alegres convívios e que os balanços prospectivos perspectivaram novos anos, senão melhores, pelo menos, com a previsão de acontecimentos bem gratificantes a nível pessoal.
Esta é, para mim, a melhor ideia de Natal - o (re)encontro de familiares e/ou amigos, o convívio pacífico, uns petiscos e, por vezes, uns passeios em grupo, que prolonguem o convívio por mais algum tempo. De preferência, sem abusos consumistas e sem angústias.
Apesar de, nos últimos anos, ter ouvido muitos responsáveis das igrejas manifestarem preocupações com o facto do consumismo estar a subverter o espírito natalício, relegando para segundo plano a fé e o que os crentes deviam comemorar nesta data, não se nota qualquer inversão neste comportamento colectivo.
O deus consumo está, de facto, a sobrepor-se aos outros.
A forma como é, cada vez mais, celebrado o Natal e comemorada a passagem de ano são reveladoras da descrença num futuro melhor.
Mais do que assinalar o nascimento de algo em que se acredita e do alvor de um novo ano comemora-se o facto de se estar vivo e de ter terminado mais um ano, como quem diz: Aqui já cheguei, estes já ninguém me tira, o resto que se lixe.
Mesmo quando, como manda a tradição, se deseja um “Natal Feliz e um próspero Ano Novo” poucos são os que acreditam que tal desejo, principalmente no respeitante ao “próspero Ano Novo”, se concretize. Que o digam os funcionários públicos, entre tantos outros.
Apesar de tudo o que escrevi, desejo, sinceramente, a todos Natal Feliz e um próspero Ano Novo!
Alvito, 3 de Dezembro de 2007
Publicado na Revista Mais Alentejo, nº 78.