Depois de terem voltado a intensificar-se as tomadas de posições sobre a necessidade de avançar-se com a regionalização administrativa do Continente, foi criada, há algumas semanas, por uma centena de personalidades dos mais diversos sectores, a Associação Movimento Cívico “Regiões Sim”, que pretende recolher as 75 mil assinaturas necessárias para apresentar na Assembleia da República uma proposta legislativa para realizar um novo referendo para criação das regiões administrativas.
Entretanto, o Professor Feitas do Amaral, reconhecido especialista em direito administrativo, durante a sua última lição, na Reitoria da Universidade Nova, afirmou: «Ou se cumpre a Constituição, regionalizando o continente, seja qual for a solução encontrada, ou se suprime da Lei Fundamental o dever de regionalizar» - fim de citação - para acabar com a «situação de flagrante inconstitucionalidade por omissão», concluiu.
Esta tese, a de que não fazer a regionalização é uma inconstitucionalidade por omissão, foi defendida até ao fim dos seus dias pelo saudoso Luís Sá, dirigente do PCP e estudioso das questões do Estado e do Poder Local. Finalmente, começam a dar-lhe razão…
Razão esta que nada significa para José Sócrates, que, no final daquela última lição do Professor Feitas do Amaral, reiterou que o seu Governo não apresentará nenhuma proposta de regionalização do país até 2009 e não deu como certo que isso aconteça na próxima legislatura, afirmando: «Não será nesta legislatura. Talvez na próxima, se todos chegarmos à conclusão de que esse é o momento e se houver uma proposta que reúna um nível de consenso e que permita ter uma expectativa de vitória», resumiu.
Ou seja, o Primeiro-Ministro insiste em não cumprir a Constituição da República Portuguesa, que jurou cumprir. E fá-lo em defesa da regionalização, que não quer impedir que se faça com novo chumbo num novo referendo. É esta a visão do estado de direito democrático que José Sócrates tem… Por aqui estamos conversados.
Para cumprir a Constituição da República Portuguesa, regionalizando o Continente, não é necessário fazer qualquer referendo. Fazê-lo é referendar a Constituição e isso não só não está previsto como é um caminho perigoso para o regime democrático, como se tem visto noutros países.
O problema é outro. A regionalização não avança com maiorias absolutas no poder. O poder central é centralizador, por natureza, e quem o detém não está disposto a ceder uma parte. Só o fará se a isso for obrigado. E isso só será possível em situação de maioria relativa, quanto mais pequena mais fácil será. É isso que a experiência mostra. Alguns passos que foram dados, no passado, foram sempre em situação de maiorias relativas, em que as pressões das oposições a tal forçou.
Mal se recomeça a falar mais da necessidade da regionalização e logo aparecem os seus contestatários a ameaçar com as consequências mais terríveis, desde a desagregação do estado e da nação até aos elevados custos e ao aumento da burocracia que o processo trará. E apontam, repetidamente, como alternativas à regionalização a descentralização e o reforço do municipalismo.
Ora, a regionalização administrativa do país deve ser feita, em primeiro lugar, para cumprir a Constituição. É inaceitável que, mais de trinta anos depois de aprovada a Constituição, um dos três pilares do edifício do estado que ela determina não seja erguido. Continua assim um vazio, que tem dado e continua a dar para todos os jogos, entre o poder central e o poder local.
Em segundo lugar, e ao contrário do que apontam os seus detractores, a regionalização deve ser feita com respeito pelo poder local e a sua forte participação e com uma forte descentralização do poder central para o regional e o local.
Em terceiro lugar, a regionalização poderá e deverá contribuir para reforçar a coesão do estado e da nação porque reforçará a coesão territorial, através de um desenvolvimento mais equilibrado do país.
Em quarto lugar, a regionalização poderá e deverá não contribuir para o aumento da despesa pública na medida em que eliminará serviços e lugares de direcção, que hoje existem na administração central e desconcentrada. Deverá igualmente contribuir para a redução da burocracia pela maior proximidade aos cidadãos, quer ao nível físico quer ao nível da decisão, porque os seus responsáveis passam a ser eleitos e, por isso, a prestar contas aos seus eleitores.
Não sendo uma panaceia para os problemas que o país atravessa e o Interior de forma mais acentuada, poderá ser um instrumento fundamental para enfrentar e resolver mais facilmente alguns deles. E isso acontecerá mais facilmente se o processo da regionalização for acompanhado por uma correcta política nacional de desenvolvimento regional.
Lido na Rádio Terra Mãe, em 24.05.2007