Minha querida prima Vera
À medida que os anos passam, vai-me custando, cada vez mais, suportar as tuas ausências.
Quando não estás comigo parece que nunca mais chega a altura de regressares, o que acontece, todos os anos, no dia do teu aniversário.
Não é nada fácil viver sem ti, sem a tua luz, sem o teu brilho, sem as tuas cores, sem o ter calor morno, sem a tua força criadora.
Mas, com o teu regresso, tudo muda, tudo se renova e inova, é com o se fosse o nosso renascer.
Contigo tudo desabrocha, a vida apetece ser mais vivida.
Contigo sabe bem aproveitar os dias, cada vez maiores, reluzentes, cheios de sol, a aquecerem-nos cada vez mais.
Contigo apetece passear pelos campos floridos, cuja paleta de cores nos deixa inebriados.
Contigo a paixão e o desejo tornam-se mais intensos e incontidos.
Fazes-me sentir o que não consigo sentir com nenhuma outra.
Talvez por isso elas tanto te invejem e me tentem seduzir, utilizando os mais diversos argumentos.
Mas não conseguem fazer-me esquecer de ti.
Uma tenta encandear-me com a sua luz e amolecer-me com os seus calores, que muitas vezes se tornam insuportáveis.
Outra procura envolver-me na sua penumbra e cores amarelecidas, que quase me fazem adormecer.
E, finalmente, a outra envolve-me na sua escuridão e afoga-me nas suas lágrimas, que me deprimem.
Apesar dos seus esforços e manobras, nenhuma me atrai nem seduz como tu, porque nenhuma tem o teu encanto.
Contigo sinto-me cheio de energia, rejuvenescido, apetece-me ir a todo o lado.
Apetece-me ir ao campo, que, todos os dias, se transforma a um ritmo impressionante: a luz, as cores, os sons, os cheiros, os movimentos, … todos os dias aparecem com novos cambiantes.
Apetece-me ir às barragens, os novos mares no nosso interior, onde, como em poucos outros lugares, é tão bela a ligação da terra à água, tão interessante o confronto da superfície aquática com a paisagem e o relevo que a circunda ou, no seu meio, irrompe.
Apetece-me ir à praia olhar o mar, lindo de morrer, sentir os primeiros calores, ainda mornos, ou as frescas brisas, onde carrego as baterias.
Apetece-me correr de terra em terra, onde parece que tudo acontece: as festas, as feiras, os festivais, os encontros, …
Contigo vou à OVIBEJA, feira maior onde todo o Alentejo deste mundo se encontra.
Nela, sinto, talvez, como em nenhum outro sítio, como tu és importante para mim.
É nela, nos seus nove dias de realização, que tudo acontece, que tudo pode acontecer.
Sem ti, sem a tua pujança, sem a tua força revitalizadora, sem o teu encanto, também a OVIBEJA não seria a mesma.
Tudo e sempre no meu Alentejo.
Para mim, o Alentejo basta-me e tu preenches-me.
Não é que não possa ser bom estar contigo noutra região qualquer…
Seguramente que o será, mas em fugazes visitas, que me façam amar mais o meu Alentejo querido.
O Alentejo é o centro do mundo, do meu mundo, que tu, como nenhuma outra, torna ainda mais belo e atraente.
Ainda agora chegaste e já começo a sentir saudades da tua partida, por mais adiada que seja.
Por vezes apetece-nos libertarmos o espírito irreverente dos jovens que nunca deixamos de ser, por mais incorrecto que isso possa parecer.
Por isso, desta vez, dispensei o espaço, que regularmente ocupo com os meus textos nesta Revista, ao menino Zezinho, que, embora não pareça, continua a coexistir comigo, para divulgar a sua carta à prima Vera, que devia ter escrito à Primavera, a pedido da Senhora Professora.
Verão que alguns, ao lerem aquela carta, vão dizer que me passei, com a chegada da Primavera, ao ponto de escrever cartas abertas à minha prima Vera.
Outros preferirão dizer que são coisas de quem entrou no Outono da vida.
E outros, ainda, dirão que só no rescaldo dalguma gripe violenta de Inverno mal curada poderia ter publicado, numa revista como a Mais Alentejo, um delírio destes.
Mas o que ninguém, a não ser os meus colegas cronistas desta Revista, compreenderá é a angústia de quem tem de entregar uma crónica (que muitas vezes não o é), algumas vezes com atraso e sem inspiração, insistentemente pressionado pelo Director.
Somos livres de escolher o tema, que, se possível, deve ter alguma intemporalidade, devido ao período que separa a entrega da crónica da saída da revista.
Não podemos escrever nem muito mais nem muito menos do que quatro mil caracteres, o que nos obriga, com frequência, a “limpar” ou “encher” o texto de adjectivação.
Foi de facto isto que me fez, desta vez, divulgar aquela carta à minha querida prima Vera, com o que tantas vezes pensei e nunca tive coragem de lhe dizer.
O receio de uma valente reprimenda do Director, animado com a útil e oportuna vitória do seu Sporting Clube de Portugal, é bem superior à vergonha de expor publicamente os meus sentimentos.
Apesar de tudo, não fiz, neste texto, algumas outras abordagens do que de mais íntimo sinto pela minha querida prima Vera porque não quis fazer concorrência ao nosso colega cronista Carvalho Faxista…
Alvito, 18 de Março de 2006
Publicado na edição nº 71 da revista Mais Alentejo