Reflexões no dia do 89º aniversário do PCP
Três semanas depois das eleições presidenciais, em que o PCP registou mais uma quebra, a um mês do Partido comemorar o seu 90º aniversário e 11 meses depois de ter enviado esta carta, sem que tenha obtido qualquer reacção, resolvi publicá-la por me parecer que a sua pertinência e oportunidade foram reforçadas pelos acontecimentos desde que a escrevi.
"Caros Camaradas (da Comissão Concelhia de Alvito do PCP)
Na data do 89º Aniversário do Partido, resolvi fazer uma reflexão, que partilho convosco, sobre o seu estado e os últimos tempos da sua vida.
Depois de um ano em que decorreram três eleições para três níveis de poder – europeu, nacional e local -, o que podemos concluir dos resultados neles obtidos?
Em minha opinião e de uma forma sintética, julgo que o Partido conseguiu resistir à erosão que vinha a registar deste o descalabro das experiências socialistas no leste europeu, mas deixou-se ultrapassar pelo PP, o que não importa muito porque este cresceu à custa do PSD, e pelo BE, o que é relevante, pelo que significa. Ou seja, que o Partido não conseguiu capitalizar o descontentamento crescente relativamente à governação do PS.
Se tivermos em linha de conta que, desde 1995, há 15 anos que apenas por 2,5 anos o PS não esteve no governo podemos concluir que o Partido não consegue atrair os descontentes com a política e a prática do PS no poder e, muito menos, afirmar-se como alternativa de esquerda credível para governar Portugal.
A nível regional e local (como também a nível nacional), a direcção e organização do Partido têm vindo a mostrar-se incapazes de interpretar a evolução da realidade sociológica e também sócio-económica e, em consequência, o Partido tem vindo a mostrar não ser capaz de aumentar a sua atractividade e a perder o respeito de outros partidos e sectores importantes da população.
Os maus resultados alcançados nas últimas eleições autárquicas não podem ser imputados apenas ao voto útil da direita no PS. É também, e fundamentalmente, resultado do que acabei de afirmar e por fazermos cada vez menor diferença dos outros na gestão do poder.
Gerir o poder pelo poder, fazer da função autárquica carreira, aproveitar a gestão do poder em proveito próprio e do Partido, insuficiente valorização da gestão autárquica e da comunicação/informação como direito – dever, são apenas alguns aspectos negativos que têm vindo a acentuar-se na gestão autárquica da CDU, que tem vindo a perder gradualmente o prestígio e o respeito que ganhou antes, em resultado de uma gestão profundamente democrática e participada, com um elevado sentido de serviço público evidenciado pela generalidade dos seus eleitos.
A nível local, em Alvito, nunca antes, em 16 anos em que participo na organização local do Partido, assisti a um envolvimento tão pequeno desta nas campanhas eleitorais.
Todo trabalho político foi desenvolvido em função das eleições autárquicas, como se as outras só tivessem importância pelo que pudessem contribuir para estas. Foi igualmente afunilado, chegando a direcção política da campanha autárquica a excluir a participação de membros da Comissão Concelhia e a reduzir-se a um pequeno núcleo que reunia, fora do Partido, com a responsável política do concelho, segundo me disseram. O cabeça de lista à Câmara Municipal e o programa eleitoral foram apresentados aos militantes, praticamente sem discussão. As listas completas foram apresentadas publicamente sem que antes tivessem sido aprovadas ou apresentadas aos militantes. O programa eleitoral poderia ter sido apresentado por qualquer outro partido, tão inócuo é em termos político-partidários.
Agora, haverá uma tendência para acentuar a direcção do Parido no concelho a partir da Câmara Municipal e em função da gestão desta. Considero que isso é um erro e um grave risco de enfraquecimento do Partido que deveria ser combatido, embora ache que dificilmente o será, pelo menos de forma eficaz.
Posto isto e porque a reflexão já vai longa, não encaro com optimismo nem o futuro do Partido nem a gestão autárquica da CDU, a não ser que passasse a haver:
- Uma afirmação permanente, pela prática, da defesa dos valores da democracia e da liberdade;
- Um aprofundamento da democracia interna do Partido, designadamente com uma maior abertura às opiniões diferentes, sem exclusão de quem pensa diferente e divulga publicamente as suas opiniões, formas diferentes de eleição dos órgãos dirigentes e de escolha de candidatos a cargos públicos electivos;
- Uma outra, mais aberta e desformatada, forma da direcção de comunicar e se relacionar com o Partido e com a sociedade;
- Um maior envolvimento dos militantes na definição de orientações e tomadas de decisões dos órgãos dirigentes, deixando de limitar a sua intervenção a aprová-las, sem ou com pouca discussão, quando considerado necessário ou conveniente;
- Um aprofundamento da participação popular e da comunicação/informação à população na gestão autárquica e que esta seja conduzida com o principal objectivo de servir as populações, a melhor forma de reafirmar a superior qualidade da gestão autárquica da CDU e, consequentemente, o papel decisivo do Partido;
- Combater tendências de dirigir o Parido a partir do Poder (as autarquias) e evitar que este se imiscua na gestão corrente das autarquias.
Muito mais haveria a dizer. Não pretendi fazer uma análise exaustiva ao estado do Partido e ao papel dele no poder. Apenas algumas reflexões, que poderiam servir de base a uma alargada discussão na organização do Partido.
O grande desafio que se coloca ao Partido é o de saber se consegue enfrentar os novos desafios que se colocam hoje, encontrar melhores soluções para eles do que os outros e, dessa forma, reforçar a atracção na sociedade reforçando a sua capacidade de intervenção e afirmando-se como uma credível alternativa de esquerda, ou, se pelo contrário, não consegue ir além da resistência, perdendo, cada vez mais, o respeito e a confiança das pessoas e voltando a cair numa perda progressiva de influência eleitoral e política, de consequências imprevisíveis.
Saudações fraternas
José Lopes Guerreiro"