Eleições primárias para candidatos a eleições
Daqui a um ano já terá ficado para trás um ciclo eleitoral incluindo três actos eleitorais – eleições para o Parlamento Europeu, eleições para a Assembleia da República e eleições para as Autarquias Locais.
É um ciclo importante que poderá permitir clarificar o que os portugueses pensam e querem da política e das instituições e o que elas interferem com a sua vida e com o futuro do nosso país.
Embora com idiossincrasias diferentes, os partidos acabam por proceder de formas muito semelhantes no essencial.
Mostrando maior ou menor descentralização e autonomia das suas estruturas, acabam por ser as direcções centrais a escolher os principais protagonistas para os diferentes actos eleitorais, com base, principalmente, na notoriedade e expectativas de alcançarem bons resultados eleitorais.
As equipas de candidatos acabam, por isso, por ser constituídas em função do peso específico dos cabeças de listas e de compromissos internos dos partidos.
Os candidatos são escolhidos pelos partidos mais em função da perspectiva dos bons resultados eleitorais que possam conseguir e muito pouco em função das ideias e programas que apresentem e das garantias que dêem para os concretizar.
Os programas acabam, por isso, por interessar apenas a alguns (poucos) por mais reuniões que sejam feitas para os discutir e, em consequência, por terem pouco impacto eleitoral.
Quando, em vez de partidos, são movimentos de cidadãos a apresentar candidaturas, como acontece em eleições autárquicas, quase sempre esses processos são desenvolvidos tendo como referência o protagonista principal, quase sempre um autarca desavindo com o seu partido.
Raramente, embora haja alguns casos, as candidaturas independentes o são genuinamente e se desenvolvem de baixo para cima, de forma participada pela maioria dos que envolve e mobiliza.
Aqui chegados, já estou a ouvir os que leram estas linhas até aqui:
“É verdade que os processos eleitorais são, mais ou menos, desenvolvidos assim, excluindo muitos que poderiam querer participar e valorizando mais o que se “vende” com maior facilidade em detrimento do que pode oferecer mais garantias de afirmar e contribuir para a concretização de um projecto (de sociedade, de desenvolvimento, etc.). Mas o que se pode fazer para alterar a situação?”
Não sei se tenho nem sei se alguém tem a resposta certa para essa questão, mas tenho algumas ideias que poderão contribuir para o, necessário, debate sobre este assunto.
Os partidos deveriam organizar-se, apresentar-se e funcionar mais de acordo com o tipo de sociedade que dizem defender. Ou seja, se um partido proclama a defesa da democracia, da descentralização, da participação cidadã, deve, na sua vida interna, agir de acordo com esses princípios.
Naturalmente que qualquer partido tem de ter um conjunto de princípios, valores e regras que lhe garantam coesão e unidade internas, que lhe permitam apresentar-se como um todo e os seus militantes como partes desse todo e não como “um saco de gatos”.
Mas esse conjunto de princípios, valores e regras de qualquer partido deve constituir uma plataforma mínima que o diferencie dos outros, para além de lhe assegurar coesão e unidade internas. Não deve exagerar, procurando formatar o comportamento das pessoas através de regras castradoras da riqueza da diversidade humana.
Nesta perspectiva, acho que seria de todo o interesse, quer para os partidos quer para a sociedade em geral, que a escolha dos seus candidatos às eleições resultasse de eleições primárias internas, a partir da apresentação de auto-candidaturas de todos os interessados.
Os candidatos (cabeças de listas) a candidatos teriam de apresentar e defender as suas motivações e as razões das suas candidaturas, as bases das equipas e as principais ideias e propostas que propunham concretizar se fossem eleitos.
Daqui resultariam, em meu entender: um compromisso maior entre os candidatos escolhidos e as organizações partidárias, que não apenas as suas direcções centrais; candidatos, equipas e programas eleitorais melhor preparados; maiores mobilizações e participações; mais qualidade e maior credibilidade da democracia, quer interna dos partidos, quer geral da sociedade.
Alvito, 3 de Novembro de 2008.
Publicado na Revista Mais Alentejo, nº 87.