É preciso arrepiar caminho
O mundo rural e o interior têm vindo a despovoar-se. As pessoas mudaram do campo para as aldeias, destas para as vilas e de umas e outras para as cidades maiores.
“O Alentejo é, em 2006, uma região desvitalizada: perdeu 33% da população nos últimos 50 anos (caiu de 802 mil habitantes em 1950 para 535 mil em 2001); 48% da população vive de uma pensão; 10% dos trabalhadores estão desempregados; e 30% (180 mil pessoas) da população vive na pobreza.” Este é o retrato, quantificado, do Alentejo, apresentado por António Murteira, da revista Alentejo, na conferência “Alentejo: Desigualdades, Pobreza, Solidariedade”, realizada em Beja.
Quando parecia existir vontade de travar e inverter este processo, em consequência dos investimentos públicos e comunitários feitos, principalmente, pelas autarquias locais em dotar a generalidade dos centros urbanos de infra-estruturas básicas e equipamentos colectivos, que permitem a realização de actividades que dão respostas aquelas necessidades e asseguram às populações uma boa qualidade de vida, eis que novas políticas e medidas vão acelerar ainda mais o despovoamento e a desertificação do interior e do Alentejo, em particular.
Se pretendem despovoar por completo o mundo rural e a maioria dos centros urbanos do interior, porque permitiram que se investisse tanto neles, nos últimos anos?
Poderão dizer que a viragem se justifica porque, apesar dos avultados investimentos feitos, não foi possível travar o despovoamento.
Mas a verdade não é essa! O despovoamento prosseguiu porque não foram desenvolvidas políticas, de discriminação positiva, que fomentassem a instalação de empresas e de actividades produtivas, geradoras de emprego e capazes de atrair e fixar pessoas.
As medidas que têm sido tomadas e as que se anunciam acelerarão o despovoamento e a, consequente, desertificação de vastas zonas do interior do país e, em particular, do Alentejo.
Os aumentos do IVA levaram a que as populações raianas se passassem a abastecer de muitos produtos nos povoados vizinhos de Espanha, em detrimento do comércio nacional.
A nova Lei de Finanças Locais levará, numa ou duas décadas, à extinção de freguesias e municípios, o que inviabilizará a vida em inúmeras povoações.
O Programa Nacional de Política Nacional de Ordenamento do Território (PNPNOT), ao privilegiar uma rede urbana de centros urbanos de maiores dimensões, levará à concentração de investimentos neles, reduzindo ou inviabilizando a competitividade dos restantes, que tenderão a degradar-se.
O Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), ao concentrar o investimento nos maiores centros e a privilegiar os grandes projectos, inviabilizará o acesso aos fundos comunitários por parte dos pequenos municípios, acentuando mais e mais rapidamente o seu afastamento dos outros.
Como se vê, não se trata de políticas e medidas pontuais e sem nexo entre si. Trata-se de uma estratégia clara, com políticas e medidas práticas concertadas, que visa o fomento da concentração, do investimento, das actividades e das pessoas nos maiores centros urbanos, em claro prejuízo dos restantes.
É incompreensível que os diversos agentes do interior do país tenham tardado tanto em aperceberem-se desta guerra aberta ao mundo rural e aos pequenos municípios e freguesias.
Quando, há alguns meses, Fernando Caeiros, presidente da Câmara Municipal de Castro Verde, criticou a proposta de Lei das Finanças Locais por ela levar, a prazo, à extinção de pequenos municípios, não foi levado a sério, tendo chegado a ser criticado por alguns.
Agora, finalmente, a ANMP parece ter despertado para a situação e já diz isso mesmo e acusa de centralista a política do governo.
Até o próprio coordenador do PNPNOT, Jorge Gaspar, já apontou os riscos que tal estratégia comporta, chegando a afirmar que a extinção de municípios e freguesias levaria ao avançar do mato pelas povoações adentro, porque são as pessoas que cuidam do campo, do mundo rural e das povoações.
O caminho seguido por este governo, com esta política centralista e esta estratégia de concentração urbana, fará agravar ainda mais as desigualdades, assimetrias e falta de coesão territorial, económica e social.
A coesão territorial, económica e social só será alcançada com um malha mais apertada, mais fina, das diversas redes em que se deve actuar.
“Se nada for feito nos próximos 20 anos, cerca de 66% do território pode ficar deserto e seco”, afirmou Eugénio Sequeira, presidente da Liga para a Protecção da Natureza, nas III Jornadas Ambientais, realizadas em Castro Verde.
Para evitar que tal aconteça, Eugénio Sequeira referiu que “O combate à desertificação passa obrigatoriamente pela preservação do mundo rural”, alertando para a necessidade de “contrariar o despovoamento nas zonas deprimidas” porque a presença humana é fundamental no combate à desertificação.
Alvito, 24 de Novembro de 2006
Crónica publicada na última edição da revista Mais Alentejo