Com eleições à vista o eleitoralismo voltou, de forma mais clara, a estar presente no discurso político. Voltou ao discurso político porque na actividade política nunca deixou de estar presente.
O Orçamento para o próximo ano é o mais evidente exemplo disso mesmo.
Andaram, o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, durante quatro anos e a apresentação de quatro orçamentos, a multiplicarem-se em declarações para justificarem os apertos orçamentais, para, em plena crise mundial, anunciar o “desapertar do cinto”.
O que era uma inevitabilidade, numa melhor situação financeira, deixou de o ser numa situação de crise como a que atravessamos.
Os cortes no investimento público ficaram para trás e o Orçamento de 2009 prevê um crescimento de 4,2% do Programa de Investimentos e Despesas da Administração Central, o sempre polémico PIDDAC.
As dificuldades criadas à economia, às pequenas e média empresas, aos trabalhadores, especialmente aos da função pública, e às famílias, em orçamentos anteriores, estão agora a dar lugar a políticas, medidas e incentivos visando esses mesmos sectores.
Sectores esses que, certamente por mera coincidência, constituem o grosso da classe média, ou seja, a componente do eleitorado mais determinante.
Quem, com atenção, tenha ouvido o primeiro-ministro multiplicar-se a anunciar essas novas políticas, medidas e incentivos e ouviu ontem o ministro das Finanças a justificar o Orçamento para 2009 não terá ficado com muitas dúvidas acerca das motivações que justificam aquela alterações.
Nem sequer se esforçam muito por embrulhar melhor esta alteração discursiva nem justificar com mais convicção aquelas alterações orçamentais.
A grande, talvez a única, justificação apresentada é a do o rigor e do controlo orçamentais destes anos. Convenhamos que é frouxa, que só convence quem quer ou quem anda distraído.
Disse, ontem, o ministro das Finanças, em resposta a uma pergunta de um jornalista, que este Orçamento era também de rigor mas menos apertado para fazer face às necessidades da economia, das pequenas e médias empresas, dos trabalhadores e das famílias, porque o aperto dos anteriores assim o permitia.
É preciso ser mais claro para que alguém perceba que o que, de facto, justifica este “desapertar do cinto”, apesar da crise que a economia de casino está a atravessar, tem como explicação o ciclo eleitoral que está a iniciar-se?
É impressionante ouvir o primeiro-ministro, o ministro das Finanças e outros acusarem de eleitoralismo as oposições que criticam e as suas medidas agora anunciadas, de sentido contrário às seguidas até aqui, tal como impressiona a sua recusa de toda e qualquer proposta que elas apresentem.
Então, neste conjunto de medidas anunciadas de apoios às pequenas e médias empresas não cabe o pagamento do IVA com a emissão do recibo em vez de continuar a beneficiar o infractor, quem não paga a tempo e horas?
Enfim, este governo torna agora mais evidente aquilo que desde sempre se percebeu, que é o facto de ter orientado toda a sua actividade para chegar a esta altura, aligeirar o rigor orçamental e tentar ganhar votos com medidas simpáticas para com sectores determinantes do eleitorado.
Será que esta maior evidência não chega ainda para o eleitorado julgar adequadamente este governo e, principalmente, esta política? Será que a incapacidade, reveladas até aqui pelas oposições, de criar alternativas credíveis vai permitir que esta forma de governar e esta política continuem?
Se tal acontecer, poder-se-á concluir que não é só o sistema que está em causa mas também o regime.
O ciclo eleitoral que se desenvolve neste próximo ano terá um impacto muito grande, não só na próxima legislatura mas também a mais longo prazo.
Lido na Rádio Terra Mãe, em 15.10.2008.