Retórica da positividade de Sócrates
De facto, a gestão das expectativas, ou seja, dar a ideia que está a fazer o que ainda não começou, prometer para amanhã o que já devia estar feito ontem, passar ao lado dos maus indicadores, anunciar medidas que ou não são para cumprir ou que pouco significado têm como se de grandes mudanças e reformas se tratassem e que, mesmo assim, são aplicadas consoante interesses eleitorais, tudo com pompa e circunstância, como se tudo isso fosse a realidade, é uma das suas especialidades, que executa com elevado profissionalismo.
É assim que, o primeiro-ministro, regressado da Índia, dá um salto a Beja para anunciar a adjudicação da empreitada da concepção e construção do IP8 no próximo ano, como obra fundamental para fechar o “triângulo virtuoso” do desenvolvimento do Alentejo, e é aplaudido.
Parece que ninguém se lembra de há quanto tempo e por quantos governos, incluindo os anteriores do PS, tal projecto foi prometido e quantas datas para início das obras foram anunciadas.
Parece, também, que poucos repararam ou se incomodaram com o facto do IP8 ir ser construído como auto-estrada apenas entre Sines e Beja, quando foi, por inúmeras vezes prometido assim até à fronteira de Vila Verde de Ficalho, tal como foi aceite como inevitável o pagamento de portagens.
Isto é, uma obra que já devia estar concluída há anos e que só para o ano vai ter, se tiver, o projecto em elaboração e que não cumpre as condições tantas vezes prometidas é apresentada, com pompa e circunstância, como um grande feito deste governo.
“A retórica de Sócrates leva-o a parecer dar sem nada pedir; prometer sem nada exigir, quebrando a lei da troca recíproca do laço social e político. Nisso, faz lembrar o Pai Natal”, como afirma também José Gil.
Mas o problema é que, por mais que a realidade seja apresentada de cor-de-rosa ela não é assim sentida nem vivida pela maioria dos portugueses. E estes, mesmo os que acreditaram ou ainda querem acreditar na realidade virtual que Sócrates e o seu governo lhes apresentam, vão-se deparando, cada vez mais, com maiores dificuldades para fazerem chegar o seu rendimento ao fim do mês.
Por mais optimistas que sejam os balanços que façam e as perspectivas que apontem, a realidade, nua e crua, é que, nos últimos anos, o desenvolvimento de Portugal de afastou da média europeia, que as desigualdades sociais aumentaram, a pobreza aumentou, o desemprego aumentou.
Ainda não há muito tempo, durante o governo de Guterres, a taxa de desemprego em Portugal era uma das mais baixas da União Europeia, na ordem dos quatro ou cinco por cento, enquanto em Espanha era das mais altas, perto dos vinte por cento.
Poucos anos, depois e, novamente, com um governo PS, a taxa de desemprego no nosso país é a terceira ou quarta maior da União Europeia, quase que duplicando relativamente àquele período e ultrapassando a de Espanha.
Com estes indicadores de desenvolvimento social e humano bem pode Sócrates agir como um “Pai Natal de todos os dias do ano, milagroso, utópico e real”, como o descreveu José Gil, que não conseguirá, por muito mais tempo, “esconder o Sol com a peneira”, ou seja, esconder o verdadeiro fracasso das políticas neo-liberais, que está a levar tão longe que já obrigou Mário Soares a dizer que convinha que ele governasse um bocadinho mais à esquerda. Se quer voltar a ganhar eleições, acrescentaria eu…
Só por má consciência pode José Sócrates apresentar o seu governo como o que foi mais longe nas políticas sociais e de esquerda. Por má consciência e por falta de respeito pelo seu criador, António Guterres.
Lido na Rádio Terra Mãe, em 6 de Dezembro de 2007