Pela terceira vez, Portugal vai presidir à União Europeia, a partir do início do próximo mês.
Desta vez, depois de Cavaco Silva e António Guterres, é a vez de José Sócrates assumir essas funções.
O quadro nacional em que tal situação decorre tem algumas especificidades, que convém analisar.
A maioria que suporta o governo é absoluta. O Presidente da República foi eleito, pela primeira vez, pela direita. O presidente da Comissão Europeia é, pela primeira vez, português. A União Europeia integra, pela primeira vez, vinte e sete países. A maioria desses países é governada pela direita. Está em causa e em discussão do tratado da União Europeia, que pretende reforçar o federalismo e reduzir as independências dos países, e a forma como tal será conseguido – se através de referendo, como todos os partidos, nas últimas eleições legislativas, se comprometeram, ou através da Assembleia da República, como parece pretenderem o governo e o Presidente da República.
António Guterres, na última presidência portuguesa da União Europeia, perdeu o controle do governo e da situação do país. O que aconteceu a seguir ainda será do conhecimento de todos, certamente.
Não tinha maioria absoluta e a repartição do poder que fez, no governo, por alguns super ministros revelou-se desastroso. Quando “regressou” ao país percebeu que este estava a cair no pântano e que tinha perdido o estado de graça em que vivia quando assumiu aquela presidência, pelo que bastou um desaire eleitoral nas eleições autárquicas para se demitir e criar uma crise política que levou a direita ao poder, com as consequências conhecidas.
José Sócrates tem vivido em estado de graça. Não só porque tem maioria absoluta mas também por falta de alternativas e porque tem mostrado uma grande habilidade na gestão das expectativas.
Entretanto, nos últimos tempos registaram-se alguns factos notáveis, que poderão mostrar que não só as coisas estão a mudar como a história se poderá repetir, ao contrário do que se costuma dizer.
Os trabalhadores, para além de diversas acções de protesto, participaram, em grande número, numa greve-geral contra a política e as políticas que o governo insiste em prosseguir.
Em dois ou três momentos diferentes, nas últimas semanas, o primeiro-ministro foi recebido com vaias. Se em Setúbal ainda podia dizer que o protesto com que foi recebido foi organizado pelos comunistas o mesmo já será mais difícil quanto aos assobios de Abrantes…
Os estudantes voltaram à rua e às estradas, para protestarem quanto ao rumo que o governo pretende empurrar o ensino superior.
Depois de algumas substituições mais ou menos técnicas de alguns ministros, eis que o número dois de José Sócrates, no governo e com enorme peso no PS, abandona o governo para se candidatar às eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa.
Só por ingenuidade é que se pode acreditar que tal saída se deve apenas aquela candidatura, quando tal se verifica em vésperas de Portugal assumir a presidência da União Europeia…
Face a tudo isto, não seria de admirar que daqui a seis meses, quando José Sócrates concluir as funções de presidente da União Europeia e regressar, a tempo inteiro, à governação de Portugal, não reconhecesse o seu governo e o estado da nação.
Seguramente que ninguém está à espera que o consenso estabelecido pelo governo com a direita quanto à sua presidência da União Europeia se vá manter na prática ao longo do mandato e muito menos que as oposições suspendam as suas actividades, designadamente a continuação e, eventual, reforço das acções de protesto às políticas do seu governo.
Será que o estado de graça de José Sócrates se vai manter para além da presidência europeia? Será que a coesão do governo e do apoio do PS ás suas políticas se vai manter então? Será que a sua máquina de propaganda que alimenta as expectativas dos portugueses se vai ainda manter?
A prepotência com que José Sócrates, o governo e o PS falam e a forma como actuam irão continuar a ser aceites pelos portugueses ou estes já se começaram a fartar, como os factos notáveis que nos últimos tempos surgiram parecem indiciar?
Será que Cavaco Silva irá continuar a sua convergência estratégica com o governo?
Será que, daqui a seis meses, a União Europeia a que José Sócrates vai presidir, com Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia, tem reforçada a sua coesão económica e social e clarificadas as suas organizações política e de defesa, com respeito não só pelos estados mas principalmente pelos povos que a integram?
Os próximos seis meses vão, estamos convencidos, responder a todas estas questões.
Esperamos ter, nessa altura, um Portugal e uma União Europeia melhores, mais competitivos e solidários, mais coesos e justos, mais respeitadores do ambiente e dos direitos dos cidadãos.
Texto lido no rádio Terra Mãe, em 28.06.07